Rio -
Prestes a instituir o 'bico' na polícia, o que pode aumentar o salário do
soldado em até R$ 1.800 a mais por mês com horas extras, o secretário de
Segurança Pública, José Mariano Beltrame prepara um ‘choque’ de patrulhamento
nas ruas do Rio.
Com entusiasmo, explica que o pagamento do
Regime Adicional de Serviço (RAS) já é feito a policiais que trabalham para a
corporação nas folgas da Rio+20. A novidade, que faz parte do
decreto de redistribuição de agentes, será inaugurada oficialmente dia 1º para
suprir o déficit do efetivo em duas cidades na Baixada.
Aos 56 anos e há cinco e meio no cargo que
ganhou destaque com a criação das UPPs, ele cobra a execução de
projetos sociais em áreas pacificadas e informações sobre o
crescimento habitacional.
O
DIA: O que está sendo feito sobre o decreto de redistribuição de policiais
anunciado há alguns dias?
BELTRAME: – Fizemos levantamento das deficiências
dos batalhões. O mapa indica que os índices de crimes vão diminuindo nas áreas
onde há mais policiais. Para aumentar o efetivo, vamos pagar hora extra através
da RAS pelo trabalho de policiais em dias de folga. O agente será pago para
recomplementar o serviço onde é lotado ou em outro batalhão.
Quanto
será pago?
Serão pagos R$ 150 por turno de oito horas
extras ao soldado, que poderá fazer no máximo 96 horas extras no mês. A
possibilidade é de ganho de até R$ 1.800 além do salário, que é de R$ 1.625. É o
equivalente a 12 dias de trabalho durante as folgas a cada 30 dias.
É
um “bico” oficial na corporação?
Sim. Este valor é competitivo em relação ao
bico que alguns policiais fazem nas folgas. Além disso, é muito melhor para o
policial trabalhar fardado, legalizado, com a viatura, com a arma dele, com
proteção social.
Quais
serão as áreas prioritárias?
Vamos começar pela Baixada Fluminense, entre
outras áreas. Por exemplo: um batalhão com carência de 286 homens vai ter 286
por dia. Vamos ver o resultado.
Quando
começará?
Oficialmente no dia 1º de julho, embora já
tenha estreado na Rio+20.
O
senhor acha que isso pode ajudar a reduzir a ação das milícias, que são
integradas por muitos policiais nas horas de folga?
Claro. A gente espera que isso tenha efeito de
redução de criminalidade. Sendo a milícia um crime, terá impacto. O que queremos
é resolver o problema da falta de efetivo. Não há uma política de concurso
público. Há anos, foram criados novos batalhões sem novos policiais. Eram só
trocados. Qual o critério para fazer isso? Político. O centro da cidade tem
cinco batalhões. Para quê?
Por
que o Rio tem 22 UPPs em áreas antes dominadas pelo tráfico de drogas e apenas
uma onde havia milícia, no Batan?
Porque não está na nossa rota. O combate à
milícia tem a mesma lógica da UPP. O grande problema da milícia ocorria em Campo
Grande. Fizemos grandes prisões de milicianos naquela área. E qual foi a
ocupação social lá? Se tiramos o transporte clandestino e não é oferecido o
transporte público para a população, se tiramos o 'gatonet' e a milícia da área,
mas as distribuidoras legais não chegam com os serviços oficiais, estamos
suscetíveis a ter os mesmos problemas. Vamos voltar lá.
Combater
a milícia é mais complicado do que enfrentar o tráfico, já que o miliciano pode
ser policial e tem ligações dentro do Estado?
Há uma série de requisitos que complicam a
milícia. O primeiro deles é que existe há 20 anos no Rio. Nos primeiros 10 anos
era considerada por alguns como possibilidade de ser positiva. O segundo
requisito é que as instituições policiais não reagiram contra, não criaram
métodos de investigação. O problema se avolumou. Foi preciso aprender a
trabalhar com isso, que é diferente de tudo que se fez até agora. Envolve
servidor público, servidor público de folga, armado e fazendo o que é do estado.
Para estes quatro 'ingredientes' não existe um tipo penal como é o caso dos
homicídios: quem mata alguém vai preso. Com milícia não havia isso, por inércia
ou seja lá o que for.
Na
sua opinião um dos grandes obstáculos da segurança pública é que suas ações não
são seguidas pelos serviços públicos?
As ações sociais não têm a velocidade e a
pontualidade que eu entendo que deveriam ter para dar resposta social após uma
intervenção policial. Isso não me isenta de agir, quero deixar claro. Mas são
funções absolutamente necessárias e complementares. Um exemplo claro é o que
houve em Campo Grande. Fomos no foco dela, prendemos gente muito importante, mas
a parte social não foi feita. O policial vai ter que ficar lá para fiscalizar os
serviços de TV a cabo, gás, água, sinal de internet, ônibus? Eu digo isso, senão
vão dizer que não combatemos a milícia, que o problema é de segurança. Da mesma
forma, se a gente entra no Jacaré e fica só com a polícia lá, ficamos fadados ao
insucesso.
Beltrame
apresentará a Cabral estudo com o impacto que crescimento da população provoca
na segurança em áreas de grande desenvolvimento industrial | Foto: Marcio
Mercante / Agência O Dia
Quais
os serviços prioritários em comunidades pacificadas?
É preciso oferecer programa de empregabilidade,
que mostre para as pessoas que depois do muro da favela tem um mundo inteiro.
Mas tem que mostrar para eles. Eles não sabem.
O
que o senhor pediria ao governador nessa área?
Tem que criar perspectiva nas comunidades,
mostrar que há outro mundo depois do muro das favelas.
O
senhor tem percorrido comunidades. A questão educacional, que é uma das mais
importantes, tem sido desenvolvida nas áreas
pacificadas?
Acho que a malha de ensino, tanto estadual como
municipal, é muito boa. Está bem distribuída nas áreas. Não sei como funcionam,
mas há escolas.
As
ações de saúde também podem ajudar na percepção e no aumento da segurança de
alguma forma?
Acho que sim. Tudo que valoriza a vida das
pessoas em nome da dignidade é positivo, porque se mostra ao cidadão que é muito
melhor estar do lado do estado, da prefeitura, do que do lado do tráfico, da
milícia, da tirania.
Mesmo quando existem, os programas nem sempre
atingem todos que necessitam. Na Cidade de Deus, por exemplo, há o Projeto Rio
2016 para a criançada, oferecido pela Secretaria de Esporte e Lazer. Há 400
crianças participando e mais de mil na fila para fazer esporte.
A gente é suspeito para falar, mas tem muita
coisa virtuosa. O segredo, para mim, é integrar, diminuir o conceito de cidade
partida. Uma aula de música de graça que começou a ser oferecida no Morro da
Babilônia hoje beneficia pessoas no Alemão, Pavão e em outros quatro ou cinco
morros.
As
novas políticas de crescimento habitacional estão de acordo com a política de
segurança?
Os programas habitacionais devem existir. Mas o
que a gente precisa, como técnico, é saber a densidade demográfica dos lugares
para planejar a segurança pública. Se a população crescer em determinadas áreas
sem o nosso conhecimento, fatalmente vamos ter, depois de algum tempo, uma
deficiência de policiais nestas regiões. Se tivermos cinco mil pessoas em um
programa habitacional e não houver transporte adequado para elas, a
possibilidade de criação de um serviço de transporte alternativo por milicianos
ou outros grupos clandestinos é muito grande.
Mas
o senhor não tem controle sobre este aumento populacional nas
áreas?
Não. Tenho solicitado informações sobre como a
prefeitura cuida disso. Busco e quero esta resposta. Preciso saber o número de
moradores.
O
senhor tem obtido resposta?
Não.
A
presidenta Dilma Rousseff assinou repasse de verbas para turbinar projetos de
desenvolvimento no estado. O Rio tem vários polos novos de desenvolvimento, como
o Comperj e Porto do Açu. A secretaria está preparada para o impacto
disso?
Vamos apresentar ao governador um estudo que
fiz junto com o Instituto de Segurança Pública, contendo recomendações com visão
prospectiva de aumento de população. Temos que ver aonde estas pessoas vão ser
alocadas e a perspectiva de empregabilidade para mostrar ao governo em tempo
para buscar soluções.
As
UPPs aceleraram o processo de crescimento das favelas no
Rio?
Acredito que sim. Isso acontece na medida em
que as pessoas não precisam mais prestar contas para um desconhecido
criminoso.
O
senhor tem um levantamento que mostre que algumas comunidades aumentaram de
tamanho ou de população?
Não tenho dados, mas percebo quando vou aos
lugares. Vejo coisas que na visita anterior não existiam. Há movimento de
material de construção. Pode ser para reforma, mas também pode ser para nova
obra. Li que o Vidigal está aumentando. Precisamos ter controle disso. Se a
população aumentar naquela área, vou ter que colocar mais 50, 60 policiais
lá.
Isso
é mais grave em alguma região da cidade, como a Zona Sul, por ser mais turística
e valorizada?
Acho que o crescimento pode ser maior na Zona
Sul, onde a possibilidade de empregabilidade também é maior. A minha preocupação
principal é com o que pode acontecer no futuro. Quero ver daqui a 10, 15 anos.
Não dá para esperar 10 anos para ter resultado de um Censo (do IBGE) para nos
planejarmos.
Isso
pode estar está influenciando no aumento de crimes como os de roubo a residência
e assalto a motoristas na cidade?
Na Zona Sul tivemos pessoas presas, que eram do
Jacaré. Em Niterói, de 400 pessoas presas, 30 eram do Rio. Não dá para dizer que
não há migração, mas ela é pequena. A questão é a oportunidade, a facilidade que
existe em determinadas áreas.
O
que tem sido feito contra o crack?
É um problema de saúde pública. Muito crack é
apreendido. Não é um produto de valor. Em áreas carentes se compra por R$ 1 ou
R$ 2. À medida em que se combate o tráfico de drogas, se combate o crack. Isso
porque a venda é feita casada. Os agentes são os mesmos e casam a venda do crack
à da cocaína. Vejo isso como um mercado. É uma forma de tornar a venda mais
rentável e com menos custo.
E
o tráfico de armas e de munição?
Eu hoje focaria na criação de um mecanismo de
investigação nacional sobre munição. Precisamos ter informações dos produtores
sobre quem compra, sobre a origem. Mas não é feito. Se eu pego um fuzil Ruger
aqui, não sei como chegou, onde foi fabricado e para onde foi vendido. Busquei a
origem daquele monte de armas apreendidas no Alemão e as respostas vieram todas
desencontradas.
Estamos
em plena Rio+20, depois vem Copa do Mundo. O Brasil não tem tradição de
enfrentar problemas decorrentes de embates ideológicos radicais no mundo, que
motivam terrorismo. O senhor está preocupado com isso?
Temos que ser preventivos, mas a ação é da
Polícia Federal. A gente tem que ficar atento.
Como
secretário de Segurança, qual é a sua maior preocupação em relação à
Rio+20?
É com o cidadão, com a sensação de segurança
que a gente tem obrigação de dar ao cidadão carioca. Acho que os grandes eventos
são importantíssimos para a cidade. O Exército está dando apoio. O Rio de
Janeiro está bem preparado para este evento e também para os
outros.
O
Rio desperta a curiosidade natural dos turistas nacionais e estrangeiros. O
senhor teria alguma recomendação especial para evitar alguma
área?
Não. Acho que as pessoas podem buscar pontos
turísticos no Rio de Janeiro, aproveitar a cidade. Só a PM está com sete mil
homens na rua. Está contemplando estes lugares onde normalmente existe acesso de
turistas maiores. Acho que tem que ser vida normal para todos nós.
Incluindo
as favelas?
Entendo que as pessoas possivelmente vão a
favelas pacificadas. A realidade das áreas que nós temos conflagradas é
histórica. Não é na Rio+20 que tem favelas conflagradas. Na Rio 92 tinha muitos
mais favelas conflagradas do que tem hoje.
O
presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio encaminhou ao TSE pedido de
reforço de tropas do Exército ao longo da campanha eleitoral. Como o senhor
avalia a atitude?
Vi nos jornais a declaração do presidente do
tribunal. Se ele acha que há necessidade, não vejo problema. O Exército já é
parceiro nosso.
Vê
necessidade?
Só não podemos fazer da Segurança Pública um
palanque eleitoral. Mas, se esta é uma demanda do tribunal, a gente aceita,
acata e ajuda.
O
senhor acha que criou uma estrutura? Seu sucessor vai ter
estrutura?
Sim. Se for trocado amanhã, já deixei tudo
pronto. Como o prédio do Centro Integrado de Controle de Comando, a Cidade da
Polícia, o Centro de Operações Especiais da Polícia Militar, novas instalações
da Secretaria de Estado de Segurança, entre outros.
E
a área de tecnologia?
A licitação está em fase final para a aquisição
de câmeras para equipar cerca de dois mil carros das polícias.
Qual
é a previsão para a instalação de UPPs fora da cidade do
Rio?
Será preciso esperar um pouco. Pelos menos 40
UPPs estarão instaladas no Rio de Janeiro até o fim de 2014. Hoje já temos 23
UPPs e nos próximos meses serão inauguradas mais quatro no complexo da Penha e
ainda tem a UPP da Rocinha.
Em
que lugar da caminhada o senhor acha que está desde janeiro de
2003?
Em função do mundo ideal? Nem na
metade.
Imagina
em 2014 estar em qual ponto da caminhada?
Em 2014 eu pretendo estar na casa de 10, 12
homicídios por 100 mil habitantes. Hoje o número é em torno de 24. Conviviam
aqui com 60. Quando assumi eram 40.
Qual
é o índice atual de resolução de investigação de
homicídios?
Estamos na casa dos 30% a 32% de resolução. A
minha meta é buscar 100%. Vamos melhorar com polícia técnica científica. Quando
assumi acho que era na faixa de 4% a 5%.
Candidatar-se
a governador do Rio está entre os seus planos?
Não. É uma opção pessoal.
O
senhor pensa na possibilidade de ser mantido no cargo de secretário de Segurança
no novo governo?
Não. Já fiz o que tinha que fazer. Não sei para
onde vou. Acho que vou me aposentar. Eu criei dois filhos, que hoje estão com 28
e 25 anos, mas não os acompanhei quando eram pequenos porque viajava muito pela
Polícia Federal. Me separei e o fato de ter criado meus filhos de longe ficou na
minha cabeça. Agora tenho um filho de 2 anos. Quando a minha mulher ficou
grávida, planejei me dedicar mais a ele. Mas está pior do que os outros dois.
Ele começou a creche este ano e eu só o levei duas vezes. E ainda o deixei
chorando.
E
planeja ter outro filho?
Não. Deste mato não sai mais
coelho.
Reportagem de Aziz Filho,
Elaine Gaglianone e Joana Costa
O Dia