sábado, 2 de fevereiro de 2013

A VISÃO ESPÍRITA DESENCARNE EM MASSA EM SANTA MARIA (RS): O ESCLARECIMENTO ESPÍRITA Marcelo Henrique Pereira (*)

Artigo

Já tivemos a oportunidade de refletir sobre catástrofes, tsunamis, guerras e acidentes aéreos, em alguns textos que têm sido difundidos pela internet, sempre com o intuito de explicá-los à luz do Espiritismo e trazer alento tanto para os familiares das vítimas como para a Humanidade que, atônita, contempla a dor de centenas ou milhares de pessoas, caso a caso.

As imagens que já estão sendo divulgadas e que irão permanecer, ainda, por certo tempo nos meios midiáticos, serão retratos em cores fortes da dor que visita inúmeras criaturas, abaladas com o ocorrido e que , não raro, se perguntam: - Por que, meu Deus?

De positivo, o gesto de solidariedade fraternal daqueles que enviam mensagem de condolências, os que confortam os familiares e amigos presencialmente e as mobilizações para a doação de sangue para atendimento dos muitos feridos sobreviventes. Digno exemplo de quem se importa com o semelhante e faz o possível para minorar a dor alheia.

A filosofia espírita, debruçando-se sobre o tema que envolve os chamados desencarnes em massa, nos remete ao núcleo central do evento dos desencarnes decorrentes da tragédia: "[...] a destruição é uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos", a teor do contido no quesito 737 de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec. Há, assim, três núcleos semânticos no trecho achurado: destruição, necessidade e regeneração moral.

Analisemos.

Destruição importa necessariamente o aniquilamento da vida material, a interrupção da atual experiência reencarnatória. Há, segundo a cátedra espírita, os desencarnes naturais, os provocados e os violentos, em um dos vértices de análise conhecidos. Os naturais decorrem do esgotamento dos órgãos (questões 68 e 154, do livro citado) e representam o encerramento "programado" das existências corporais, segundo a lei de causa e efeito e o planejamento encarnatório do ser. Os provocados resultam da ação humana no espectro da criminalidade e da agressividade (assassínio, atentados, guerras), como decorrem de ações negligentes, imprudentes ou imperitas como parece ser a situação verificada na tragédia de Santa Maria. Os violentos encampam a ocorrência de catástrofes naturais (enchentes, terremotos, maremotos, ciclones, erupções, desmoronamentos, entre outros).

Em muitas das situações, o nexo causal entre a catástrofe e a ação humana acha-se presente. Movido por interesses mesquinhos e sem a adequada compreensão do conjunto (vida imortal, espiritual) os homens centram sua atenção e interesse nas coisas transitórias da vida, em que se situam, por exemplo a ganância desenfreada, a busca do “lucro pelo lucro” e a conivência de autoridades e fiscais que deixam de exigir os padrões mínimos de segurança. O evento “causa” do fogo, informado pelos sobreviventes como sendo o acendimento de um sinalizador dentro da boite é apenas a ponta do iceberg em relação à sucessão de fatos que desencadearam este imenso drama.

As várias vítimas fatais e os sobreviventes assim como os familiares e amigos dos que faleceram, estão situados no quadrante daqueles que possuem vínculos entre si, muitas vezes datados de épocas anteriores (vidas pregressas), e a circunstância de seu retorno à vida espiritual estava prevista pelo Ministério Divino, em nível de resgate (veja-se, a propósito, a questão 258, novamente de “O Livro dos Espíritos”). Muitos deles são Espíritos com laços de reciprocidade e relação direta, já que "[...] as faltas coletivamente cometidas são expiadas solidariamente" (conforme outra livro de Kardec, “Obras Póstumas”, no item “Questões e Problemas”), não se afastando os que, ainda que não tivessem questões a expiar, ali estavam por decisão de seu livre-arbítrio e assumindo o risco da permanência naquele ambiente (mesmo sem conscientemente saberem que adviria o episódio fatal) têm o evento “aproveitado” como provação na atual existência.

A compreensão espírita, calcada no sério estudo e na relação direta entre os fundamentos filosóficos espíritas e o cotidiano do ser, na análise de tudo o que lhe rodeia, permitem, assim, a desconsideração do termo "fatalidade" como sendo algo relativo à desgraça, ao destino imutável dos seres. A teor do contido no quesito 851 da obra primeira do Espiritismo, já mencionada, tal fatalidade "[...] existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, institui para si uma espécie de destino, que é a consequência mesma da posição em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas, pois, pelo que toca às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir."

Para o Espiritismo, assim, situações como essa não são “acidentais”, nem, tampouco, “obras do acaso”. Não há, na filosofia espírita, espaço para "sorte" ou "azar", "ventura" ou "maldição", e cada ser vive o que está contido na Lei de Causa e Efeito, uma diretriz inteligente que, longe de ser absoluta e pré-determinada (inafastável) para todas as circunstâncias, nos coloca no ponto de partida e de chegada de todas as situações que conosco ocorrem, nesta e em outras encarnações. Mesmo considerando o chamado "planejamento encarnatório", feito ainda no plano espiritual e com, em regra, nossa anuência, o direito (inalienável) ao livre-arbítrio possibilita a alteração do plano, em virtude de nossas escolhas presentes. Podemos dizer, assim, que há "tendências", "caminhos", "diretrizes", mas, no plano concreto, somos nós quem tomamos as decisões, sempre. Também, a presença de mentores espirituais (anjos de guarda ou protetores) para cada um de nós, em missão de orientação particular, em relação a cada espírito, e o que chamamos de "intuição", "sexto sentido", ou, "voz interior", é, na verdade, a sugestão (não indução) de alguém que "nos quer bem" e que "deseja o nosso sucesso", para que possamos tomar as "melhores" decisões, caso a caso. O protetor, contudo, não interfere em nossas escolhas e, quando resolvemos fazer "o que bem entendemos", ele se afasta, momentaneamente, retornando após, para continuar a sua tarefa.

Neste sentido, a palavra “destino” também ganha um redesenho, para representar, tão-somente, o mapa de probabilidades e ocorrências da existência corporal, resultantes, em regra, das escolhas e adequações realizadas no pré-reencarne, somadas às atitudes e aos condicionantes do contexto encarnatório, onde, com base no seu discernimento e no livre-arbítrio, continuará o rol de decisões que levarão o ser aos caminhos diretamente proporcionais àquelas, colocando-o, sempre, na condição de primeiro e principal responsável por tudo o que lhe ocorra.

Como o Espiritismo não “fecha questão” nem destaca “única hipótese”, há que se avaliar a circunstância daqueles que deixaram de comparecer ao evento festivo, por motivos vários, desistindo no último momento ou aqueles que, em lá estando, não sucumbiram, mesmo apresentando ferimentos. Como não há, para a Doutrina Espírita, um “determinismo estrito”, muitas pessoas podem ter sido “avisadas” por vozes invisíveis ou conselhos mentais e escaparam de estar naquele fatídico evento, como que “por milagre”, diria o adágio popular.

É verdadeiramente por isto que cognominamos o Espiritismo como a "Doutrina da Responsabilidade", porque se-nos permite a análise criteriosa de nossa relação direta com fatos e acontecimentos da vida (material e espiritual).

Com a ocorrência deste trágico evento, devemos voltar nossos olhos para a legislação e a prática da fiscalização de locais públicos, sobretudos os que permitem aglomerações de inúmeras pessoas que só desejavam se divertir. Não podemos nos “acostumar” nem esquecer as tragédias, tratando-as com “naturalidade”. Do contrário, esperamos que os cidadãos conscientes saibam protestar, bem como as autoridades competentes mesmo provocadas passem a atuar de modo preventivo e necessário, diminuindo ao patamar mínimo o risco de novas ocorrências, erradicando, se possível, as causas que possam levar a tais eventos infelizes. Que a apatia e o comodismo não sejam, assim, motivo para “deixarmos de lado” a responsabilização (perante a justiça humana) daqueles que deram causa, direta ou indiretamente ao ocorrido, já que sabemos pelas denúncias da imprensa que há responsáveis entre empresários e poder público, além do imprudente músico que acionou artefato que produziu faíscas.

Ante eventos como a tragédia de Santa Maria, que possamos solidariamente enviar nossas vibrações e preces, para que estas alcancemos espíritos socorristas, que encaminham as "vítimas" do desencarne em massa, ao necessário e consequente despertar no Novo Mundo. E que eles, despertos e recuperados das mazelas físico-espirituais, possam compreender, novamente, que o curso da evolução espiritual continua. Para eles, que voltaram e para todos nós, que ainda aqui estagiamos.

* Assessor Administrativo da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (ABRADE), Assistente da Vice-Presidência de Cultura e Ciência da Federação Espírita Catarinense (FEC) e Delegado e Membro do Conselho Executivo da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA).
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Recebido diretamente do autor em Monday, January 28, 2013 9:30 AM

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