quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

REGULAMENTO DISCIPLINAR E A PIRÂMIDE DE CIRCULOS Por: J.Ferreira

Em uma época onde se fala muito sobre direitos humanos, liberdade de expressão e aprimoramento
das policiais, vemos que as policias caminham a passos de tartaruga no caminho da evolução. Com
regulamentos que foram escritos no tempo do onça, digo, ditadura, tentam incutir nas mentes dos
policiais a necessidade do aprimoramento com técnicas copiadas de outros países, principalmente
do Japão com o policiamento comunitário e até Deus é invocado, no rodapé de alguns documentos
encontramos a frase: “Nós, Policiais Militares, sob a proteção de Deus, estamos compromissados
com a Defesa da Vida, da Integridade Física e da Dignidade da Pessoa Humana”
O que vemos é uma completa falta de democratização nas polícias onde apoiados em regulamentos
da ditadura muitos se fazem valer de suas próprias vontades com a desculpa de preservar as
instituições e manter a ordem e a disciplina necessária para forças armadas e sob esse pretexto as
arbitrariedades vão seguindo de vento em popa.
Com a promulgação da Constituição de 1988 algumas instituições para darem um ar de legalidade a
seus atos fizeram com que os regulamentos fossem revistos e dizem tê-los voltados aos princípios
constitucionais o que é mera enganação porque o que se faz valer os direitos constitucionais não são
os termos de um procedimentos e sim o processo legal, este sim não é respeitado e os regulamentos
ainda estão todos minados porque se arriscar em uma defesa clara diante de uma acusação
disciplinar com os atuais regulamentos é o mesmo que caminhar em um campo minado, se não pisa
na mina da acusação pisa-se em outra pior.
Vamos a um pequeno estudo sobre os regulamentos disciplinares para entendermos melhor.
A ESTRUTURA MILITAR E A FINALIDADE DA HIERARQUIA E DISCIPLINA
MILITAR
As Forças Armadas constituem corpo especial da Administração, destinando-se, precipuamente, à
segurança externa do Estado, bem como de forma secundária, à garantia da ordem interna, num
primeiro momento a cargo das polícias (civil/militar), merecendo do legislador constituinte expressa
referência e reconhecimento da magnitude de suas atribuições.
Emerge do art. 142, caput, da CF/88, que
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da Republica, e destinam-se a defesa da Pátria, a garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Utilizando, mais uma vez, a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA,
"as Forças Armadas são instituições Nacionais porque pertencem inteiramente a nação.
Permanentes significando que sua dissolução só acontecerá na hipótese de exaurir-se o próprio
Estado. E, sendo Regulares, significa que deverão contar efetivos suficiente ao seu funcionamento
normal, por via do recrutamento constante, nos termos da lei."
Sua base institucional esta estruturada na hierarquia e na disciplina militar, sem as quais seria de
todo impraticável a realização da sua missão e todas as guerras estariam perdidas sem que fossem
necessário disparar um tiro sequer. São, ainda, parte inalienável do Estado Democrático de Direito
e, muito além disso, são, ultima ratio, os garantes materiais da sua própria sobrevivência, como bem
explicitado na Carta Constitucional, que lhes atribuiu a defesa da pátria como missão maior.
Distingue-se do setor civil, e a ele até opondo-se, em virtude de sua militarização, "isto é, pelo
enquadramento hierarquizado de seus membros em unidades armadas e preparadas para o
combate", porque são as detentoras da força pública e nelas se deposita a coação irresistível com
que deve contar o Estado para manter a unidade de seu povo e de seu território sob uma ordem
pacífica e justa, tal a sua relevante missão constitucional. Hierarquizadas, formam uma pirâmide
quanto ao comando, regendo cada escalão superior, todos os inferiores, como é necessário para as
manobras e operações bélicas. Disciplinadas formam um arcabouço de certeza operativa, que
traduz-se na eficiência da pronta-resposta aos comandos recebidos do escalão superior. Se assim
não o fosse, se cada ordem pudesse ser contestada ou discutida, diante do perigo real ou iminente,
as tropas sucumbiriam pela inércia ou pela desordem e falta de coesão nas ações.
UM DOS FLAGRANTES DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS REGULAMENTOS
Encontramos a seguinte disposição : "São consideradas, também, transgressões disciplinares, as
ações ou omissões não especificadas no presente artigo e não qualificadas como crimes nas leis
penais militares, contra os Símbolos Nacionais, contra a honra e o pudonor individual militar;
contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princípios de
subordinação, regras e ordens de serviços, estabelecidas nas leis ou regulamentos, ou prescritas por
autoridade competente".
Esta norma de caráter geral e abrangente encontra-se reproduzida quase que na íntegra em todos os
Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, em flagrante desrespeito
ao princípio da legalidade e ao artigo 5º, inciso II da C.F.
Parte da doutrina entende, e nesse sentido trazemos a baila os ensinamentos de José da Silva
Loureiro Neto, que "o ilícito disciplinar, não está sujeito ao princípio da legalidade, pois seus
dispositivos são até imprecisos, flexíveis, permitindo à autoridade militar maior discricionarismo no
apreciar o comportamento do subordinado, a fim de melhor atender os princípios de oportunidade e
conveniência da sanção a ser aplicada inspirada não só no interesse da disciplina, como também
administrativo".
Deve-se esclarecer que pelo cometimento de uma transgressão disciplinar dependendo da sua
natureza e amplitude (leve, média ou grave) o militar fica sujeito a uma pena de detenção (prisão)
até 30 dias, que poderá ser cumprida em regime fechado.
Em tema de liberdade que é um bem sagrado e tutelado pela Constituição Federal, que no artigo 5º
"caput" assegura que todos são iguais perante a lei, não se pode permitir ou aceitar que normas de
caráter geral, que não estavam previamente estipuladas possam cercear o "ius libertatis" de uma
pessoa, no caso o militar.
As normas desta espécie previstas nos regulamentos disciplinares castrenses são inconstitucionais,
pois permitem a existência do livre arbítrio, que pode levar ao abuso e excesso de poder.
Preleciona Hely Lopes Meirelles que "discricionariedade não se confunde com poder arbitrário,
sendo liberdade de ação dentro dos limites permitidos em lei".
Em nosso ordenamento jurídico, ninguém pode ser punido sem que exista uma lei anterior que
defina a conduta, sob pena de violação aos preceitos constitucionais e a Convenção Americana de
Direitos Humanos, subscrita pelo Brasil, e recepcionada em nosso ordenamento jurídico por meio
de decreto legislativo e decreto emanado do Poder Executivo.
Esta posição é compartilhada por Luiz Flávio Gomes que entende que "não existe diferença
ontológica entre crime e infração administrativa ou entre sanção penal e sanção administrativa"
Assim, para este jurista, "todas as garantias do Direito Penal devem valer para as infrações
administrativas, e os princípios como os da legalidade, tipicidade, proibição da retroatividade, da
analogia, do "ne bis in idem", da proporcionalidade, da culpabilidade etc, valem integralmente
inclusive no âmbito administrativo".
O Direito Militar, penal ou disciplinar, é um ramo especial da Ciência Jurídica, com princípios e
particularidades próprias. Mas, como qualquer outro ramo desta ciência está subordinado aos
cânones constitucionais.
Nosso ordenamento jurídico que segue a tradição da família romano-germânica não admite que uma
norma infra-constitucional se sobreponha ao Texto Fundamental.
Os regulamentos disciplinares foram impostos por meio de decretos federais (forças armadas) e
estaduais (policias militares e corpos de bombeiros militares) não podendo se sobrepor a
Constituição, em respeito a hierarquia das lei, preconizada pelo jusfilósofo alemão Hans Kelsen.
A Magna Carta consagrou o devido processo legal como sendo a única forma para que uma pessoa
possa perder seus bens ou ter a sua liberdade cerceada.
Na transgressão disciplinar, o militar está sujeito a perder sua liberdade, e portanto esta
consequência somente poderá ser aplicada e considerada válida se respeitar o princípio da reserva
legal e o artigo 5º, inciso LIV da C.F.
As autoridades administrativas militares ainda não recepcionaram e não aceitação a questão do
princípio da anterioridade da transgressão disciplinar militar, pois entendem que a autoridade deve
ter discricionariedade para impor punição aos seus subordinados.
Mas, o respeito a hierarquia e a disciplina não pressupõe o descumprimento dos direitos
fundamentais assegurados ao cidadão, uma vez que a Constituição Federal em nenhum momento
diferenciou no tocante as garantias fundamentais disciplinadas no art. 5º, o cidadão militar do
cidadão civil, uma vez que miliciano antes de estar na caserna foi um dia civil, e após a sua
aposentadoria voltará novamente a integrar os quadros da sociedade.
A não observância destes princípios, significa o desrespeito as regras do jogo, "rules of the game",
que em um Estado Democrático de Direito, como observa Luiz Flávio Gomes “é previamente
estabelecido, e se aplica a todos os cidadãos, sejam eles civis ou militares, tanto na esfera judicial
como na administrativa”.
O processo administrativo, pós 88, passou a ter todas as garantias previstas para o processo judicial,
conforme preceitua o artigo 5º, inciso LV da C.F. Com base neste dispositivo, para que a ampla
defesa e o contraditório com todos os recursos a ela inerentes possam ser exercidos é preciso que o
acusado tenha conhecimento do ilícito que teria em tese violado, e que este já se encontre previsto
em norma anterior de forma específica.
A Constituição cidadã trouxe modificações, que ainda estão sendo incorporadas gradativamente ao
nosso sistema, como ocorreu com a norma do artigo 125, parágrafo 4º, que já vem sendo aplicada
pelo Egrégio Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, mas que recentemente recebeu
interpretação diversa do Supremo Tribunal Federal, contrariando precedentes existes na Corte
Constitucional.
Quanto ao princípio da legalidade na transgressão disciplinar militar este se faz necessário para a
efetivação das garantias individuais, e deve ser observado tanto no aspecto judicial ou
administrativo em cumprimento a Constituição Federal de 1.988.
A CAUSA
A causa das arbitrariedades esta na “pirâmide” hierárquica porque uma pirâmide normal é composta
por blocos quadrados e uniformes que se encaixam perfeitamente e a pirâmide militar é composta
por círculos que não se encaixam, eles apenas se sobrepõem, veja imagem.
A REALIDADE
O que vemos hoje é uma completa falta de estrutura e de conhecimentos para os trabalhos de
“justiça e disciplina” nas policias, a seção responsável por estes trabalhos são compostas na maioria
das vezes por pessoas sem conhecimento jurídico que fazem parte da mesma pirâmide hierárquica,
ou seja, obedecem ordens superiores para “seguir o tramite do processo disciplinar” não podendo
argumentar os princípios constitucionais, ficando a cargo do superior hierárquico julgar e, ai vem os
abusos, lembrando que os superiores hierárquicos também na maioria das vezes são desprovidos de
conhecimento jurídico julgando por analogia e vontade própria.
Um ato muito comum e perigoso que vem sendo usado em tempos é conhecido pelo jargão “cadeia
tirada, galho quebrado” esse veneno jurídico que a maioria opta em tomar por ser melhor que
caminhar em um campo minado e correr o risco de pisar em uma mina de poder destrutivo muito
maior vem servindo para sufocar os ideais de justiça e direitos humanos dos policiais que, após
ingerir tal veneno aguardam pacientemente seus efeitos passarem, se esquecendo que seqüelas são
deixadas e que vão refletir nele próprio na família no povo e retornam com maior força de
destruição para as próprias entidades policiais causando total desmotivação e descrença na justiça
impedindo a evolução.

FONTE: http://policialbr.com

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